quinta-feira, 22 de setembro de 2011

D'Além Israel e Palestina: Soluções ou falta delas

Vem o presente a propósito de um debate entre as soluções de Estado Único e de Dois Estados que comecei com o Luís Lavoura devido a um post seu no Speaker's Corner. Espicaçou-me o interesse que sempre tive pela problemática Israelo-Palestiniana e não resisti a ir relembrar e reaprender o que já soubera sobre o tema e procurar também alguns dados novos para sustentar a minha visão dele. Aí fica o resultado dessas minhas deambulações mentais, para quem se interessar por questões do Médio Oriente.

Notas Históricas: O Levante sempre foi uma região de acesas disputas territoriais e políticas, inflamadas pelo cunho religioso que nunca abandonou a discussão. No contexto dos alinhamentos políticos e da disseminação do nacionalismo antes e durante a I Guerra Mundial, surge a Declaração de Balfour de 1917, que primeiro propõe um Estado Judaico. Com o protectorado europeu do Médio Oriente na primeira metade do século XX, o movimento zionista fomenta a colonização judaica da Palestina. Após o final da II Grande Guerra, começa o período de descolonização do Médio Oriente. O Protectorado Britânico no Levante concede a independência à Jordânia em 1946 e prepara uma solução de dois Estados para a Palestina, que é aprovada na ONU, em 1947, com a oposição em bloco dos países árabes. O clima é de guerra-civil entre 1947-1948 e, quando Ben Gurion decreta a independência do Estado Judaico de Israel em '48, provoca a declaração de guerra dos países da Liga Árabe (fundada em '45), começando a 1ª Guerra Israelo-Árabe. Enquanto o Estado Palestiniano contava com uma homogeneidade cultural (99% de árabes), em Israel a população judaica constituía apenas 55% do total. As hostilidades terminam com o Armistício de 1949 e a expansão do estado judaico. Em '67, na Guerra dos 6 Dias Israel ganha ainda o controlo da Faixa de Gaza, da Península do Sinai, do Banco Ocidental, dos Montes Golã e de Jerusalém Oriental. A Guerra do Yom Kuppur em '73 não traz alterações territoriais, mas abriu portas para os Acordos de Camp David de '78 e para o tratado de paz entre Israel e o Egipto em '79 com a retirada israelita do Sinai. Desde essa data que as fronteiras israelitas não se alteram oficialmente, embora, na prática, a faixa de Gaza e o Banco Ocidental se encontrem sob o mandato da Autoridade Nacional Palestiniana desde os Acordos de Oslo de '94. Neste ano da Graça de 2011, 68 anos após o início do conflito Israelo-Palestianiano ainda não se encontrou uma solução que lhe ponha cobro.

Notas Socio-Culturais: Desde a conquista de Israel por Pompeu em 64 A.C. que o povo judaico não se consubstanciava num Estado. Mas, desde essa longínqua época, os Judeus mantiveram uma integridade social e uma segregação dos demais povos (voluntária ou forçada) inegável. Durante 2002 anos, o povo Judeu não se traduziu numa Nação, País ou qualquer outra entidade territorial identificável. Pelo contrário, durante estes dois milénios a diáspora judaica encontrou a sua definição e identidade na religião, na cultura e na sociedade. Convém, creio eu, lembrar que o conceito de Estado e Nação como o temos hoje é fruto da construção da mentalidade ocidental hodierna e não encontra muitas vezes eco na crua realidade de outras latitudes. Embora na Europa estejamos cada vez menos agarrados à noção de povo, raça e etnia e se vá progredindo para o multi-culturalismo, esta perspectiva - que pomposamente adjectivamos de tolerante, civilizada e moderna - é fruto das condicionantes específicas do continente europeu das últimas décadas. Senão, relembre-se o papel do nacionalismo e do princípio da autodeterminação dos povos ainda na I Guerra Mundial e no colapso de Impérios multi-culturais como o Austro-Húngaro ou o Otomano. E não é preciso ir tão longe, porque foi ainda na década de 90 que se verificaram as independências baseadas em conceitos nacionalistas dos povos dos Balcãs e do Báltico. Se bem que aqui já com inovações surpreendentes no solucionar de disputas étnicas e religiosas, cujo paradigma se encontra na organização institucional da actual Bósnia-Herzegovina. Não obstante, parece-me inegável que a identidade dos judeus israelitas se prende primeiro com a religião e cultura judaicas e só depois com a cidadania israelita. De resto, do lado árabe não encontramos assim tão grandes diferenças nesta problemática. Embora o nacionalismo árabe tenha despontado pelo incitamento do Reino Unido e da França na I Grande Guerra, a identidade Árabe é ainda hoje muito forte e encontra tradução prática na Liga Árabe. Assim como também é forte a identidade muçulmana, que se reflecte, por exemplo, na polémica noção de Dois Estados na Índia.


Notas Demográficas: A população actual do Estado de Israel (como saído dos Acordos de Oslo) é 75,3% Judaica e 20,5% Árabe (dados de 2011). Desde 2005, com a retirada dos colonatos israelitas da Faixa de Gaza, que esse território tem uma população exclusivamente Árabe. Já na Cisjordânia, ou Banco Ocidental, embora a população seja maioritariamente Árabe, existem colonatos judeus (não consegui arranjar informação quantitativa).

As Soluções: Desde a pretensa solução britânica de '47, que desencadeou o conflito, que inúmeras soluções têm sido propostas. Há que entender que as soluções têm de visar vários aspectos em simultâneo: mútuo reconhecimento, divisão territorial, acordos de segurança, desmilitarização, estatuto dos refugiados, estatuto de cidadania, organização institucional do(s) estado(s), entre outros. E além das grandes temáticas, existem os casos particulares como o de Jerusalém Oriental. É todo um conjunto de variáveis que se interligam entre si e tecem toda uma trama que ainda ninguém conseguiu deslindar convenientemente. Entre as soluções mais famosas encontramos o Plano Saudita ou o Plano Clinton. Como é lógico, não me é possível fazer aqui uma abordagem exaustiva das diversas perspectivas do problema e possíveis resoluções. Focar-me-ei, então, naquilo que me desencadeou esta publicação: a problemática da divisão territorial (ou ausência dela).

A Questão Territorial: Só quanto a este enfoque existe toda uma miríade de alternativas. Sumariamente: (1) uma Nação, uma Estado; (2) duas Nações, um Estado; (3) dois Estados, uma Confederação; (4) dois Povos, dois Estados; (5) a solução dos três Estados e porventura existirão outras mais. O Luís Lavoura (LL) defendeu a solução do Estado Único. Eu defendo a solução de Dois Estados, embora também não descarte os híbridos Estado bi-nacional e Federação.

O Estado Único: "A solução para o problema dessa terra não é dois Estados - é um só Estado, multi-étnico e não discriminador." "Para que se obtivesse aquilo que eu proponho, bastaria que Israel abandonasse o seu ideal sionista e passasse a ver-se a si mesmo como o país de todas as pessoas que vivem no território por si controlado."(LL) Em conformidade com o que expus acima nas Notas Socio-Culturais, é minha convicção que esta ideia do Luís é impraticável. Os judeus agarram-se a esse ideal sionista, porque foi essa a única fonte de coesão a que tiveram enquanto Povo durante dois milénios. Embora hoje as mentalidades mudem com elevada rapidez, não creio que seja possível esperar dos judeus israelitas este abandono da tradição que lhes está tão enraizado. Este conceito de identidade baseado na etnia e não na cidadania é perceptível, por exemplo, nesta sondagem de 2010 sobre atitudes discriminatórias para com os Árabes israelitas, em que 44% dos Judeus israelitas as apoiam. Mais reveladores serão ainda os resultado de uma outra sondagem de 2005 em que 66% dos israelitas e 63% dos palestinianos defendiam que Israel deveria ser o Estado do povo Judaico e a Palestina o Estado do povo Árabe. E de notar de que o apoio a esta concepção pela população Árabe de Israel atingiu os 63% (mesmo tendo esses Árabes noção de que ficariam deslocados e possivelmente teriam de emigrar). Ou seja, como também já referi acima, não são apenas os Judeus que privilegiam a etnia como fonte de identidade, os Árabes partilham dessa opinião.

O apoio à criação de um Estado único cresceu na população palestiniana devido à consciencialização da população pelos media de que, se se criasse um Estado único agora, a população Árabe seria maioritária. E é precisamente pela mesma razão que os Judeus nunca aceitarão essa proposta. Não obstante a idealização de LL sobre Estado multi-étnico, todas essas concepções finamente acabadas da mentalidade ocidental não encontram eco nos habitantes do Levante. A identidade é acima de tudo étnica e uma solução que pretenda ignorar este aspecto fulcral da realidade, é uma solução que não soluciona nada, porque não se baseia em premissas reais.

Os Dois Estados: À semelhança da hipótese anterior, a solução de dois Estados é, nos dias de hoje, uma das mais populares. A oficialização dos limites territoriais dos Acordos de Oslo permitiria a maior concordância possível entre o factor étnico e a cidadania. Contudo, não é desprezável o facto de 1/5 da população israelita ser Árabe e de existirem colonatos judeus na Cisjordânia. Mas esta solução territorial desencadeia muitos problemas "logísticos": como tratar as minorias, os refugiados, os problemas de posse de terras, o eterno problema de Jerusalém, etc... Todavia, nesta sondagem de 2009 ficamos a saber que 59% dos israelitas e 63% dos palestinianos apoiam a solução dos dois Estados. Mais uma vez se revela o peso da concepção étnica da sociedade, preferindo estes povos uma solução que é, em última instância, segregatória.

Na minha opinião, será mais fácil contornar os problemas de qualquer acordo final (porque não há solução perfeita) com o apoio das populações. E no Médio Oriente ninguém quer saber de multi-culturalismo e "tretas ocidentais" afins. Esse é um luxo nosso, que temos uma base de segurança muito maior na nossa existência e identidade e, como tal, podemo-nos dar ao luxo de ser tolerantes. (Para entender isto leia-se sobre a Pirâmide das Necessidades de Maslow).

Dois Povos um Estado: Eu não sou, por princípio, contra as soluções que, embora prevejam a criação de um Estado único, salvaguardam a independência dos povos Judeu e Árabe, procurando que estes possam coexistir. Contudo, embora sejam soluções teóricas elegantes, a sua dificuldade encontra-se na concretização prática dessa autonomia dos Povos. Ademais, é precisamente isso que sentem as populações locais. Numa sondagem de 2010, quando confrontados com a escolha entre dois Estados, um Estado bi-nacional ou uma Confederação: 71% dos israelitas e 57% dos palestinianos apoiariam a solução de dois Estados; apenas 24% dos israelitas e 29% dos palestinianos apoiariam  o Estado bi-nacional e uma confederação recolheria o apoio de 30% dos israelitas e 26% dos palestinianos.

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"A "solução" de dois Estados, que não é solução nenhuma na medida em que em Israel há árabes a viver no meio dos judeus e na Cisjordânia há judeus a viver no meio dos árabes, apenas se destina a manter o ideal sionista de Israel, ou seja, o ideal de Israel ser uma pátria quase exclusivamente para os judeus. Ou seja, apenas se destina a manter um ideal próprio do século 19 e que está totalmente desfasado, tanto da realidade no terreno, como das ideologias modernas." (LL)

Em suma, Luís, esta é para mim a atitude condescendente de um Europeu que se recusa a olhar para a realidade das sociedades judaica e árabe tal e qual como elas são: fundamentalmente diferentes da nossa.

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