Versos

Termodinâmica 

Cenário pensativo d'ilusão
Contemplava absorto do real,
Enredado em dédalo de paixão.

Ilusão minha, quente.
Não tua! De mármore esculpida.

O café quente, fervente
Na mesa de frio metal
Fumegando espirais de vida.
E a ilusão de vapor ardente
Esvaecendo-se em atmosfera glacial
Etérea e de artifícios despida.

Caem as folhas merescentes,
Alvorada fria d'invernia.
Vão-se as ilusões inocentes,
Rodopiando em graciosa ironia.

Vento gélido! 
Chapéu que abana, casaco que ufana,
Horizonte qu'enovoa, bota qu'escorrega na lama.
Folha de ilusão caída que voa.

Rodopiando o fumo do café,
As folhas p'lo ar, a minha mente,
O meu chão, o anélito até
Qu'entrecortado m'atraiçoa o coração.

Tu não! Finamente esculpida!
Mármore d'indiferença! Sentida em vão
A minha terna bem-querença.
Tu não!

De ti leva o vento os cabelos,
De mim leva as ilusões
De nós.

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Arrepio.
Não o vento.
Tu que passas.
 
(Lisboa, 18 de Novembro de 2010)
 
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Á tona d'água 

Flutuo em lânguido olvido
D'ali e d'além esquecido
Em mim, marasmo momento;
Mergulho em mar calmo e lento.
Fluem as águas salgadas
Em leito ondulante tornadas.
Sobre elas medito suspenso
Que estou entre mim e o imenso.

Oscilo qual pêndulo d'horas
Há muito perdidas. D'aquém e
D'além venho em vagas, vãs horas
Sentidas; balanço perdido.

Perpétua procura pedante
De mim malograda. Perpétua
Minh'alma perdida entre mares
Por fátuo fogo inflamada.

Aqui desencontro-me leve,
Vagueio imerso em fluxo
Corrente sem 'spaço, sem tempo,
Em límpido líquido, livre
De mim e do mais que é nada.
Aqui fico em 'spera qu'engenho
De corpo ou mente; que a ponte,
Eflúvio de louco ou dolente,
Me leve d'aquém a minh'alma.
 
(Vila Moura, 30 de Agosto de 2010)

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Saudade

Maldito fado luso
Que assim me faz sentir
Esta opressão em peito recluso.

Maldito destino lusíada
Que assim me faz sofrer
Desdita digna de Ilíada.

Maldita fortuna lusitana
Que tem a glória de ser
Pior que as Tormentas e a Taprobana.

Maldita ventura da Ocidental fita
Que assim não me deixa esquecer
Maldita, saudade maldita.

(Aurem, 23 de Maio de 2007)

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Paradoxo Inequívoco da Alma Corpórea

Numa reflexão irreflectida penso em ti…
Pura partida irracional da minha razão.
Acordado, durmo e elevo-me em sonhos nunca sonhados
Enquanto mergulho em recordações do imemorial.

Sinto-me cheio de vazio…
Recordo o que nunca aconteceu.
Um passado inexistente,
Um ex-futuro…

A tua frieza desperta o meu calor.
E, numa inconsciência consciente, vejo o invisível
E a escuridão do que não vejo ilumina-me a cegueira.

A realidade fictícia em que vivo dá-me uma liberdade posta a ferros
Que amo, odiando apaixonadamente!
Sinto o que penso sem pensar o que sinto

Abraço o abstracto e o complexamente simples.
Lembro-me de te esquecer até à finitude infinita dos tempos…
E parece-me que morro para a vida, quando na verdade vivo para a morte.

(Aurem, 20 de Março de 2007)