quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Ocasos

Algarve, Via do Infante.

A direcção era Oeste.

O relógio marcava 9 da tarde (sim, da tarde, pois naqueles enormes dias solarengos de Julho podemos dar-nos a tais extravagâncias).

O Sol aproximava-se do término da sua jornada diária e as suas línguas de fogo e luz lambiam com indescritível provocação os cumes das serras do interior algarvio. Olhei-o de frente, sim, daquela maneira que não se deve porque faz mal aos olhos. Fascinou-me, prendeu-me. Numa atitude algo camaleónica mudava de cor: do seu característico amarelo relampejante, berrante até, foi enrubescendo, passando por todos os imagináveis tons de laranjas ou alaranjados. E estes seus caprichos contagiavam tudo em seu redor. A ponto de os escassos e etéreos farrapos de nuvens presentes naquele firmamento estival se incendiarem, como que de moto próprio, em tinturas de carmins apaixonados, rosas inocentes e púrpuras reais. E então, subitamente, o astro-rei começou a afundar-se por detrás das serras, como que procurando santuário por um qualquer crime chamejante cometido naquele dia. E como que envergonhado de toda a sua flagrante conspicuidade, ocultou-se numa questão de segundos. Para trás fica todo um trilho de réstias de luz que se confundiam e associavam num caleidoscópio de cores, único vestígio do aparente opróbrio do Grande Astro. Esperava assistir ao dissipar de toda aquele espectáculo até ao advento da penumbra vespertina em todos os seus azuis carregados de promessas de noite e escuridão.

Atónito fiquei, portanto, quando não muito depois, o Astro envergonhado espreitou de novo num dos cumes da serra. E tão subitamente quanto tinha desaparecido, voltou, em todo o seu esplendor, para reclamar à noite alguns instantes para o dia. Mas não conseguiu impor-se contra as leis naturais por muito, e apenas durante uns momentos fui eu capaz de gozar mais um pouco do calor dos seus raios na minha face. E assim, obedecendo contrariado aos imperativos naturais, voltou-se a afundar-se nas serranias algarvias com delongas quase fatalistas. Por cinco vezes se repetiu o fenómeno e não pude evitar pensar na sua singularidade. Aquela sucessão de “micro-dias” e “micro-noites” em espaços de tempo inconcebíveis fez-me pensar no futuro.

Onde estarei eu daqui a uns quantos ocasos?

(Algures no príncipio de Agosto de 2007)

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