quinta-feira, 8 de setembro de 2011

D'Além Economia Globalizada: Guerras de Divisas

Um artigo (Um primeiro tiro na Guerra de Divisas) na secção de Economia do Expresso on-line despoletou-me a curiosidade e lá fui, no meu papel de leigo no mundo da finança, dedicar-me a essa nobre arte de aprender. Os desafios de uma economia globalizada são sem dúvida extraordinários. Ademais, quando ajuntamos à equação o paradigma da situação político-social da época moderna, o nível de complexidade gerado é assombroso. Em boa verdade, o que já não existe nestes nossos tempos é precisamente um paradigma, quanto mais um arquétipo ou um ideal. Vivemos cada vez mais numa sociedade pautada, a todos os níveis, pela mudança cada vez mais veloz, pela evolução cada vez mais rápida da realidade. Para os nossos pobres cérebros (cujas bases arquitecturais se formaram à centenas de milhares de anos atrás), este novo padrão da sociedade contemporânea, que é, por assim dizer, a falta desse mesmo padrão, apenas poderá ser percepcionado como instabilidade e volatilidade.

Ora se há domínio da sociedade moderna que se habitou desde o século XVII a viver sem a estabilidade que o comum dos mortais almeja é a Finança. Os mercados são por definição voláteis e imprevisíveis. Mas até mesmo os desafios desta nova era pós-11-de-Setembro se estão a revelar como um pouco mais do que os mercados financeiros conseguem digerir. A globalização da Economia iniciada pelos portugueses nessa longínqua centúria de Quinhentos, em que o anos ainda eram da Graça do Senhor, apenas se consubstanciou verdadeiramente no pós-Segunda-Grande-Guerra. Ou seja, quando o mundo não-Europeu-ou-Americano foi evoluindo de um papel de subserviência ou clientelismo económico para o de um parceiro de facto. É, em suma, uma realidade recente.

O ovo de Colombo desta nova realidade é que perturbações num dos elementos do sistema se irão repercutir gravemente no sistema como um todo, afectando o seu normal funcionamento. Até há bem poucos anos o Mundo vivia na dicotomia Mundo Desenvolvido e Mundo Subdesenvolvido. O estalar do verniz do modelo de Estado Social dos desenvolvidos países Europeus em concomitância com a surgimento das economias "em vias de desenvolvimento" (leia-se BRICS) apresenta desafios aos modelos e convicções estabelecidas nos mercados financeiros. Os capitais estão a fugir do Euro e a procurar refúgios. Os investidores deixaram de considerar a zona-Euro (um dos três grandes motores económicos do mundo) como um local seguro para investir o seu dinheiro e estão a transferi-lo para outros activos. Daí os crashes bolsistas na Europa (que acabam por arrastar e contagiar as demais praças, lá está a globalização outra vez) e a desvalorização da nossa divisa.

E para onde vai o dinheiro? O destino é um de dois: para os demais activos convencionais (entre os quais costumavam estar os europeus), leia-se ouro, EUA, Japão, Suíça, Dinamarca, Noruega e Suécia; ou para os considerados mais arriscados, mas ainda assim preferíveis ao lodaçal que se transformou o Velho Mundo, países em vias de desenvolvimento, sempre ávidos de investimento. A economia mundial não cresce a bom crescer no Mundo Desenvolvido desde a época áurea dos anos 90. O arrefecimento do comércio mundial, que nem os à-primeira-vista-espetaculares crescimentos do PIB de países em desenvolvimento parecem já conseguir contrapor, está a dificultar a retomada económica tanto na já fragilizada zona-Euro, como nos EUA e demais países Ocidentais.

Para estes países (EUA, Japão, Suíça, Dinamarca, Noruega e Suécia) a fuga de capitais da zona-Euro para os seus países está a afigurar-se como um entrave ao desenvolvimento. Como é que a entrada de capital num país pode refrear o seu crescimento económico? Parece um non sequitur, mas não é. A transferência de capitais para fora da zona-Euro implica que esses capitais vão passar para divisas diferentes, ou seja, na prática implica que se está a vender muitos euros para se comprarem dólares, yens, francos suíços e coroas nórdicas. Ora das leis da oferta e da procura que até um leigo como eu conhece, o mercado tem tendencialmente evoluído no sentido de desvalorizar o euro e valorizar as demais divisas.

O problema para os países Ocidentais fora da zona-Euro é que esta mesma zona é (ainda) um dos maiores mercados da Economia globalizada e praceiro comercial major de todas essas nações. Ora num contexto de crise económica generalizada interessa a toda a gente corrigir o equilíbrio da balança comercial aumentando as exportações. E é precisamente aqui que a valorização dessas divisas entrava o crescimento dessas economias: encarece-lhes as exportações. Com as taxas de juro mantidas a níveis baixíssimos e a margem de manobra fiscal praticamente esgotada nos países desenvolvidos, não restam muito mais opções para intervir no mercado de capitais do que as correcções artificiais de câmbio de moeda.

Situação semelhante vivem os países em vias de desenvolvimento: como Turquia, Rússia ou Brasil. A valorização das moedas permite um crescimento mais moderado da economia de consumo interna mas pode minar por completo o crescimento económico ao retirar competitividade às exportações. Sobre como esses países estão a lidar com a situação deixo-vos um peça informativa do Financial Times (daquelas que não se encontram nos telejornais de cá): link. A actuação faz-se sempre em mecanismos com efeitos indirectos como as taxas de juro, mas, como referi acima começa a escassear o espaço de manobra. São as acções directas sobre os câmbios de moeda, sem apelo nem agravo dos mercados, que se apelidam de actos de guerra de divisa.

Abriu-se a excepção no início deste ano com os acontecimentos catastróficos ocorridos no Japão. Houve naturalmente um gigantesco fluxo de capitais para o país no sentido de encetar a reconstrução. Ou seja, houve muita gente a comprar yens, sobrevalorizando repentina e dramaticamente o yen e ameaçando asfixiar a economia exportadora japonesa, prenunciando uma grave recessão económica. Sob a concertação da Reserva Federal Norte-Americana lá houve uma venda gigantesca dos yens em reserva nos principais Bancos Centrais, de forma a aliviar o mercado. Contudo a pressão sobre o yen recomeçou devido à fuga de capitais da Europa (à laia de exemplo: 500 mil milhões de euros só para os EUA, só nos últimos 6 meses).

Neste contexto, surge então a situação noticiada pelo Expresso no artigo supra-mencionado. O Banco Central Suíço (SNB) decidiu de surpresa impor um tecto à valorização do franco suíço e anunciou que se recusaria a transaccionar o câmbio do franco suíço acima dos 0,83€ por cada franco, ou abaixo dos 1,20FrS por cada euro. O franco suíço valorizou mais de 30% face ao euro nos últimos dois anos. Especula-se se será o primeiro movimento de um Guerra de Divisas, pois facilmente este tipo de decisões unilaterais e sem concertação internacional desencadeiam espirais de respostas que agravam o problema inicial em vez de o resolverem. Como o expôs um analista da HSBC ao Financial Times:
"Actions like this simply push the problem elsewhere (...) and it threatens a situation where every central bank is trying to weaken its currency"
A Reserva Federal aliviou os ânimos admitindo que a situação da Suíça era sui generis, devido à sua posição geo-estratégica bem no seio da Europa. E de facto os dados do crescimento do PIB suíço para este ano já foram revistos em cerca de metade dos 1,9% inicialmente previstos para 0,8%. Ademais, o SNB já perdeu mais de 30 mil milhões no valor dos seus activos só em 2010, pois a maioria dos seus investimentos são em euros e dolares, que perderam valor face ao franco suíço.

Receia-se que outros países cujas divisas se têm valorizado (Japão e Brasil) possam vir a tomar atitudes do género na tentativa de evitarem a deflação no mercado interno e a perda de competitividade no mercado externo. Afastados para já da contenda das divisas parece estar o par EUA/China, cuja relação de amor-ódio tanta tinta fez correr em finais do ano passado. Agradeçamos à globalização, que não é puramente económica, mas também social: os novos hábitos de consumo da população chinesa têm inflacionado o mercado e impedido a desvalorização do Renminbi (ou Yuan).

Quem não se pode queixar da sua valorização nos mercados é o tradicional refúgio não-divisa: o ouro. Mas vendo a onça acima dos 1800 dólares, algo me diz que quem se vai queixar são os investidores quando a bolha aurífera rebentar. As correrias desenfreadas nos mercados parece-me a mim que nunca são boas. Também as tulipas já valeram mais que o ouro e vejam lá agora.

Sem comentários:

Enviar um comentário

O autor deste blog arroga-se o direito de eliminar quaisquer comentários de conteúdo insultuoso.