domingo, 4 de julho de 2010

Omnia vincit amor ou o sonho de uma noite de Verão

3 de Julho. 22h00. Largo de São Carlos, Lisboa.  Romeu e Julieta, Tchaikovsky.

O murmúrio declinou e cedeu. O silêncio quente de Julho inundava o largo já apinhado de rostos expectantes. O universo sustinha-se em compasso de espera. Soaram ténues e diáfanos os primeiros acordes na noite luminosa de Estio. Delicados e oprimidos ainda pelo calor da expectativa silenciosa. Sob comando magistral, outros acordes e tons se vieram sobrepor aos primeiros, ampliando-os, enriquecendo-os paulatinamente. As harmonias cruzaram-se, entrelaçaram-se, fundiram-se em arabescos fluidos e etéreos. Teceram-se no ar quente as tramas e desditas do famigerado casal de
Verona; num caleidoscópio ardente em constante metamorfose, que não olvidava a sua génese, antes a engrandecia, multiplicava e transmutava em outras cores consubstanciais à primeira. Brotou assim entre arco e corda, entre lábios e metal, um Amor quente que dimanou pelos ares contagiando as orbes celestes. Os olhos enamorados perfulgiam na assistência, na dama à varanda e no firmamento, fazendo recuar a noite face à força avassaladora deste Amor. Agigantou-se, alimentando-se da sua própria vitalidade ardente, da sua crença contumaz na sua imortalidade. As suas reverberações cada vez mais intensas, impetuosas e inflamadas propagavam-se aos corações e a todo o universo. Os arrepios desciam pela coluna em frenesim incontrolável, despoletados pela violência fervorosa com que os arcos acariciavam as cordas. E subitamente a morte. Qual trovão no denso ar estival, a tudo põe fim. Inexorável, despiedada, atroz. Dos lamentos fúnebres renasceram em crescendo os acordes daquele Amor imperecível. Força vital inextinguível, que noutra tonalidade, noutra cor, noutra dimensão se ergueu sobre o seu carrasco, glorioso e triunfante. Rindo da morte em vibratos e crescendos, qual Otelo, roubando algo a quem tudo lhe roubara. Ressurrecto, não julgou nem puros nem pecadores; antes a todos afagou em acordes que se perderam em fragrâncias rubras e radiâncias oloríferas. Os tons esvaeceram-se e o encanto desfez-se. Comigo ficou o sonho de uma noite de Verão.

"Did my heart love till now ? Forswear it, sight!, For I ne'er saw true beauty till this night"

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