terça-feira, 29 de junho de 2010

Chegou de Expresso porque ainda não há TGV

Chegou ao Expresso (que pessoalmente considero a publicação mais fidedigna da imprensa nacional) o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Numa reviravolta desconcertante, se não inesperada, o semanário converte-se à nova seita linguística endereçada pelos senhores de S.Bento. Não entendo a leveza de espírito com que o jornal publicou a sua decisão, nem como aceita tão cordialmente denominar os espectadores de um qualquer evento com um vocábulo que mais se aplicaria a um bandarilheiro de tourada: espetadores.

Embora entenda a necessidade de evolução de uma língua e a situação dos hífenes e outros detalhes que tais não me façam a menor confusão, não consigo ficar indiferente ao assassínio de palavras como acção, recepção, vector ou baptismo. É que talvez quem de competência se não tenha apercebido, mas embora os cês e pês destas palavras sejam mudos, não são inúteis. Servem para que, quando lemos estas palavras, abramos vogais que de outra forma se deveriam ler fechadas. Assim, lemos "áção" "recéção", "vétor" e "bátismo". Sem as consoantes mudas, passamos a fechar todas essas vogais. Boa sorte para quem quiser falar assim, eu não consigo nem quero.

Embora me escude no facto de a minha rejeição do Acordo Ortográfico se fundamentar em razões linguísticas (fonéticas, etimológicas...), interrogo-me se não serei simplesmente um conservador. Mas não tenho nada contra neologismos ou novas relações semânticas ou novas construções sintácticas, mas isto de mexerem na ortografia desta maneira irresponsável não me cai bem. Esta má disposição, à falta de alternativa que se me afigure, imputo-a ao bom senso.

Claro está que não se poderia esperar que os frequentadores dos Paços de S.Bento padecessem desta minha má-disposição. A lógica, o nexo e a coerência nunca figuraram na lista das suas preocupações; seria ingénuo esperá-lo agora. Esfaqueiam esse pobre coitado do bom-senso sempre que têm oportunidade, qual bandarilheiros, verdadeiros espetadores (sem "c"). Das últimas facadas a mais profunda deve ser aquela da construção de um comboio de alta velocidade entre duas capitais que não parte de uma nem chega à outra. Mas jubilemos, que isso tornou a nossa ligação de alta velocidade à Europa (como se não fossemos já parte desse continente) um passo mais próxima.

E nesses tempos áureos de prosperidade que nos trará o TGV, estas ideias peregrinas como a do Acordo já não precisarão de nos chegar de Expresso, que isso será coisa do passado.

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