sexta-feira, 30 de setembro de 2011

D'Aquém Minh'alma: Teste de Humanidade II

AVISO: Se está com pressa esqueça, não oiça. Se tiver 7 minutos da sua vida que possa dispensar faça o seguinte: (1) pare de ler o Delito, o Cachimbo, o Blasfémias ou o que for, (2) deixe lá as notícias do Expresso ou do The Guardian, (3) arranje maneira de ter 7 minutos de silêncio, (4) clique no play, (5) feche os olhos e (6) durante 7 minutos ouça, simplesmente.

Se no fim destes 7 minutos achar que que isto não é uma das coisas mais belas que já ouviu, então aconselho vivamente uma visita ao médico legista mais próximo. Dê os meus pêsames à família.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

D'Aquém politiquices: d'o excepcional poder de antevisão dos nossos políticos


Qualquer pessoa honesta e que aja de boa-fé estará disposta a concordar com a ideia de que os nossos políticos têm uma capacidade ímpar de realizar projecções realistas, mesmo que sejam a 10 anos. Se alguma dúvida houvesse, bastaria relembrar as projecções certeiras do exilado em Paris e do seu Ministro das Finanças. Pois bem, é mais uma vez o mesmo quadrante político que nos dá provas de inigualável capacidade de previsão: pese embora o Orçamento do Estado para 2012 apenas ter "apresentacao marcada para 15 de Outubro, a bancada do PS discutiu hoje - 29 de Setembro - o sentido de voto". Que génio, que rasgo o destes políticos! Realmente, a culpa do estado a que chegámos deve-se, indubitavelmente, à crise internacional e aos malvados dos especuladores.

(Via Filipe Nascimento no 31 da Armada).

terça-feira, 27 de setembro de 2011

D'Aquém Minh'alma: Teste de Humanidade

Se isto não lhe altera nem um bocadinho que seja o ritmo cardíaco, aconselho-o a contactar o médico legista mais próximo, pois a probabilidade do seu coração não estar a bater de todo é grande...


D'Aquém: A Mesquinhez Lusa

Via Miguel Noronha, no Cachimbo de Magrite.


Muito se tem alardeado sobre a dívida oculta da Alemanha. Diz-se inclusive que a dívida alemã supera, afinal, a dos periféricos. E acreditam os néscios ser isto verdade, mesmo depois de, face a tão bombástica notícia, os mercados não terem entrado num frenesim esquizofrénico, nem os juros da dívida alemã se terem alterado. E há quem no cúmulo da estultícia os repita. Como no meio desta pseudo-informação há sempre quem tente repor a verdade, aí fica o link para quem a quiser compreender (sem economês à mistura...).

A Alemanha, apesar de tudo tem uma dívida considerável. Ademais, a Alemanha sancionou informalmente as políticas económicas dos periféricos durante anos a fio, porque isso lhe alimentava a indústria exportadora. A Alemanha não tem moral para exigir perdas de soberania pelos incumprimentos dos tratados. A Alemanha não será propriamente uma donzela pura, sem pecado a apontar neste seu regime pós-II-Grande-Guerra, mas avançar dados falaciosos contra uma Nação que por estes dias nos dá mais uma prova do seu brio e sentido de dever histórico é desonesto.

(Imagem via: Felizardo Cartoon)

D'Além Atlântico: Desespero eleitoralista?

Ele sempre há gente com uma descomunal lata! Disse Obama ontem ao Mundo a partir da Califórnia algo como:


"o fracasso da Zona Euro [deve-se] à ausência de regulação do sector da banca e ao atraso na resposta aos problemas que foram surgindo."

Isto vindo de alguém que lidera um país cujas políticas de desregulação da Administração Central e da Reserva Federal permitiram a bolha do mercado imobiliário e o crash dos mercados devido aos activos tóxicos da banca de investimento e que, consequentemente, há pouco mais de 3 anos mergulharam o Mundo numa crise económico-financeira. Isto vindo de alguém que há até bem poucos dias andava a contar as horas para o incumprimento do próprio país devido às desavenças politiqueiras no Senado e cujo atraso na resposta agravou a volatilidade dos mercados com consequências nefastas para a nossa própria crise dívida.

Não é que eu discorde da análise. Mas isto lançado assim, do topo do púlpito moral do laureado com o Nobel da Paz, que moral para falar tem pouca ou nenhuma (e paz de espírito também não, que está a ver a reeleição cada vez mais longe), isto, dizia, é coisa para me dar uma reacção alérgica de moderada a forte... Vou à procura dos anti-histamínicos.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

D'Além R.U.: Fog in the Channel. Continent cut off.

Uma coisa é certa: para o melhor e para o pior a Europa está a mudar. Já ninguém consegue entrever aquela Europa meia-real meia-sonhada dos anos 90, quando o optimismo que se seguiu à Reunificação Alemã alimentou tantos ideais e ambições. Certo é, também, que por terras de Sua Majestade Britânica nunca houve propriamente entusiasmo quanto ao projecto europeu. Menos certos serão sempre os sinais que se tentarem ler nas declarações dos políticos. Mas, por solidariedade, pudor ou hipocrisia, não seria expectável no meio político britânico que um PM se dirigisse à UE nestes termos. Parece que os fence sitters britânicos estão finalmente a pender para um dos lados. E não é o de mais integração europeia. E quando pensamos no lodaçal em que o Velho Continente se tornou, quem os pode criticar?

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

D'Além Israel e Palestina: Soluções ou falta delas

Vem o presente a propósito de um debate entre as soluções de Estado Único e de Dois Estados que comecei com o Luís Lavoura devido a um post seu no Speaker's Corner. Espicaçou-me o interesse que sempre tive pela problemática Israelo-Palestiniana e não resisti a ir relembrar e reaprender o que já soubera sobre o tema e procurar também alguns dados novos para sustentar a minha visão dele. Aí fica o resultado dessas minhas deambulações mentais, para quem se interessar por questões do Médio Oriente.

Notas Históricas: O Levante sempre foi uma região de acesas disputas territoriais e políticas, inflamadas pelo cunho religioso que nunca abandonou a discussão. No contexto dos alinhamentos políticos e da disseminação do nacionalismo antes e durante a I Guerra Mundial, surge a Declaração de Balfour de 1917, que primeiro propõe um Estado Judaico. Com o protectorado europeu do Médio Oriente na primeira metade do século XX, o movimento zionista fomenta a colonização judaica da Palestina. Após o final da II Grande Guerra, começa o período de descolonização do Médio Oriente. O Protectorado Britânico no Levante concede a independência à Jordânia em 1946 e prepara uma solução de dois Estados para a Palestina, que é aprovada na ONU, em 1947, com a oposição em bloco dos países árabes. O clima é de guerra-civil entre 1947-1948 e, quando Ben Gurion decreta a independência do Estado Judaico de Israel em '48, provoca a declaração de guerra dos países da Liga Árabe (fundada em '45), começando a 1ª Guerra Israelo-Árabe. Enquanto o Estado Palestiniano contava com uma homogeneidade cultural (99% de árabes), em Israel a população judaica constituía apenas 55% do total. As hostilidades terminam com o Armistício de 1949 e a expansão do estado judaico. Em '67, na Guerra dos 6 Dias Israel ganha ainda o controlo da Faixa de Gaza, da Península do Sinai, do Banco Ocidental, dos Montes Golã e de Jerusalém Oriental. A Guerra do Yom Kuppur em '73 não traz alterações territoriais, mas abriu portas para os Acordos de Camp David de '78 e para o tratado de paz entre Israel e o Egipto em '79 com a retirada israelita do Sinai. Desde essa data que as fronteiras israelitas não se alteram oficialmente, embora, na prática, a faixa de Gaza e o Banco Ocidental se encontrem sob o mandato da Autoridade Nacional Palestiniana desde os Acordos de Oslo de '94. Neste ano da Graça de 2011, 68 anos após o início do conflito Israelo-Palestianiano ainda não se encontrou uma solução que lhe ponha cobro.

Notas Socio-Culturais: Desde a conquista de Israel por Pompeu em 64 A.C. que o povo judaico não se consubstanciava num Estado. Mas, desde essa longínqua época, os Judeus mantiveram uma integridade social e uma segregação dos demais povos (voluntária ou forçada) inegável. Durante 2002 anos, o povo Judeu não se traduziu numa Nação, País ou qualquer outra entidade territorial identificável. Pelo contrário, durante estes dois milénios a diáspora judaica encontrou a sua definição e identidade na religião, na cultura e na sociedade. Convém, creio eu, lembrar que o conceito de Estado e Nação como o temos hoje é fruto da construção da mentalidade ocidental hodierna e não encontra muitas vezes eco na crua realidade de outras latitudes. Embora na Europa estejamos cada vez menos agarrados à noção de povo, raça e etnia e se vá progredindo para o multi-culturalismo, esta perspectiva - que pomposamente adjectivamos de tolerante, civilizada e moderna - é fruto das condicionantes específicas do continente europeu das últimas décadas. Senão, relembre-se o papel do nacionalismo e do princípio da autodeterminação dos povos ainda na I Guerra Mundial e no colapso de Impérios multi-culturais como o Austro-Húngaro ou o Otomano. E não é preciso ir tão longe, porque foi ainda na década de 90 que se verificaram as independências baseadas em conceitos nacionalistas dos povos dos Balcãs e do Báltico. Se bem que aqui já com inovações surpreendentes no solucionar de disputas étnicas e religiosas, cujo paradigma se encontra na organização institucional da actual Bósnia-Herzegovina. Não obstante, parece-me inegável que a identidade dos judeus israelitas se prende primeiro com a religião e cultura judaicas e só depois com a cidadania israelita. De resto, do lado árabe não encontramos assim tão grandes diferenças nesta problemática. Embora o nacionalismo árabe tenha despontado pelo incitamento do Reino Unido e da França na I Grande Guerra, a identidade Árabe é ainda hoje muito forte e encontra tradução prática na Liga Árabe. Assim como também é forte a identidade muçulmana, que se reflecte, por exemplo, na polémica noção de Dois Estados na Índia.


Notas Demográficas: A população actual do Estado de Israel (como saído dos Acordos de Oslo) é 75,3% Judaica e 20,5% Árabe (dados de 2011). Desde 2005, com a retirada dos colonatos israelitas da Faixa de Gaza, que esse território tem uma população exclusivamente Árabe. Já na Cisjordânia, ou Banco Ocidental, embora a população seja maioritariamente Árabe, existem colonatos judeus (não consegui arranjar informação quantitativa).

As Soluções: Desde a pretensa solução britânica de '47, que desencadeou o conflito, que inúmeras soluções têm sido propostas. Há que entender que as soluções têm de visar vários aspectos em simultâneo: mútuo reconhecimento, divisão territorial, acordos de segurança, desmilitarização, estatuto dos refugiados, estatuto de cidadania, organização institucional do(s) estado(s), entre outros. E além das grandes temáticas, existem os casos particulares como o de Jerusalém Oriental. É todo um conjunto de variáveis que se interligam entre si e tecem toda uma trama que ainda ninguém conseguiu deslindar convenientemente. Entre as soluções mais famosas encontramos o Plano Saudita ou o Plano Clinton. Como é lógico, não me é possível fazer aqui uma abordagem exaustiva das diversas perspectivas do problema e possíveis resoluções. Focar-me-ei, então, naquilo que me desencadeou esta publicação: a problemática da divisão territorial (ou ausência dela).

A Questão Territorial: Só quanto a este enfoque existe toda uma miríade de alternativas. Sumariamente: (1) uma Nação, uma Estado; (2) duas Nações, um Estado; (3) dois Estados, uma Confederação; (4) dois Povos, dois Estados; (5) a solução dos três Estados e porventura existirão outras mais. O Luís Lavoura (LL) defendeu a solução do Estado Único. Eu defendo a solução de Dois Estados, embora também não descarte os híbridos Estado bi-nacional e Federação.

O Estado Único: "A solução para o problema dessa terra não é dois Estados - é um só Estado, multi-étnico e não discriminador." "Para que se obtivesse aquilo que eu proponho, bastaria que Israel abandonasse o seu ideal sionista e passasse a ver-se a si mesmo como o país de todas as pessoas que vivem no território por si controlado."(LL) Em conformidade com o que expus acima nas Notas Socio-Culturais, é minha convicção que esta ideia do Luís é impraticável. Os judeus agarram-se a esse ideal sionista, porque foi essa a única fonte de coesão a que tiveram enquanto Povo durante dois milénios. Embora hoje as mentalidades mudem com elevada rapidez, não creio que seja possível esperar dos judeus israelitas este abandono da tradição que lhes está tão enraizado. Este conceito de identidade baseado na etnia e não na cidadania é perceptível, por exemplo, nesta sondagem de 2010 sobre atitudes discriminatórias para com os Árabes israelitas, em que 44% dos Judeus israelitas as apoiam. Mais reveladores serão ainda os resultado de uma outra sondagem de 2005 em que 66% dos israelitas e 63% dos palestinianos defendiam que Israel deveria ser o Estado do povo Judaico e a Palestina o Estado do povo Árabe. E de notar de que o apoio a esta concepção pela população Árabe de Israel atingiu os 63% (mesmo tendo esses Árabes noção de que ficariam deslocados e possivelmente teriam de emigrar). Ou seja, como também já referi acima, não são apenas os Judeus que privilegiam a etnia como fonte de identidade, os Árabes partilham dessa opinião.

O apoio à criação de um Estado único cresceu na população palestiniana devido à consciencialização da população pelos media de que, se se criasse um Estado único agora, a população Árabe seria maioritária. E é precisamente pela mesma razão que os Judeus nunca aceitarão essa proposta. Não obstante a idealização de LL sobre Estado multi-étnico, todas essas concepções finamente acabadas da mentalidade ocidental não encontram eco nos habitantes do Levante. A identidade é acima de tudo étnica e uma solução que pretenda ignorar este aspecto fulcral da realidade, é uma solução que não soluciona nada, porque não se baseia em premissas reais.

Os Dois Estados: À semelhança da hipótese anterior, a solução de dois Estados é, nos dias de hoje, uma das mais populares. A oficialização dos limites territoriais dos Acordos de Oslo permitiria a maior concordância possível entre o factor étnico e a cidadania. Contudo, não é desprezável o facto de 1/5 da população israelita ser Árabe e de existirem colonatos judeus na Cisjordânia. Mas esta solução territorial desencadeia muitos problemas "logísticos": como tratar as minorias, os refugiados, os problemas de posse de terras, o eterno problema de Jerusalém, etc... Todavia, nesta sondagem de 2009 ficamos a saber que 59% dos israelitas e 63% dos palestinianos apoiam a solução dos dois Estados. Mais uma vez se revela o peso da concepção étnica da sociedade, preferindo estes povos uma solução que é, em última instância, segregatória.

Na minha opinião, será mais fácil contornar os problemas de qualquer acordo final (porque não há solução perfeita) com o apoio das populações. E no Médio Oriente ninguém quer saber de multi-culturalismo e "tretas ocidentais" afins. Esse é um luxo nosso, que temos uma base de segurança muito maior na nossa existência e identidade e, como tal, podemo-nos dar ao luxo de ser tolerantes. (Para entender isto leia-se sobre a Pirâmide das Necessidades de Maslow).

Dois Povos um Estado: Eu não sou, por princípio, contra as soluções que, embora prevejam a criação de um Estado único, salvaguardam a independência dos povos Judeu e Árabe, procurando que estes possam coexistir. Contudo, embora sejam soluções teóricas elegantes, a sua dificuldade encontra-se na concretização prática dessa autonomia dos Povos. Ademais, é precisamente isso que sentem as populações locais. Numa sondagem de 2010, quando confrontados com a escolha entre dois Estados, um Estado bi-nacional ou uma Confederação: 71% dos israelitas e 57% dos palestinianos apoiariam a solução de dois Estados; apenas 24% dos israelitas e 29% dos palestinianos apoiariam  o Estado bi-nacional e uma confederação recolheria o apoio de 30% dos israelitas e 26% dos palestinianos.

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"A "solução" de dois Estados, que não é solução nenhuma na medida em que em Israel há árabes a viver no meio dos judeus e na Cisjordânia há judeus a viver no meio dos árabes, apenas se destina a manter o ideal sionista de Israel, ou seja, o ideal de Israel ser uma pátria quase exclusivamente para os judeus. Ou seja, apenas se destina a manter um ideal próprio do século 19 e que está totalmente desfasado, tanto da realidade no terreno, como das ideologias modernas." (LL)

Em suma, Luís, esta é para mim a atitude condescendente de um Europeu que se recusa a olhar para a realidade das sociedades judaica e árabe tal e qual como elas são: fundamentalmente diferentes da nossa.

Frases que valem a pena V

No Ponteiros Parados por José Ricardo Costa:

"Eu vivo permanentemente no futuro mas será ao passado que pertencerei toda a vida."

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

D'Além Minh'alma: Intemporal

Há coisas que não se explicam, sentem-se. Tom Koopman e o Amsterdam Chamber Choir a interpretar J.S.Bach não se explica, sente-se.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

D'Além Jugular: Perdidos na Demagogia

João Galamba publicou à pouco no Jugular a seguinte informação.

Desde já, creio eu, fica todo e qualquer um que leia a mencionada pérola extremamente agradecido pela generosidade do autor em as distribuir assim. Pretende o autor interpretar os resultados da famigerada sondagem sobre os cortes na despesa pública, em que a esmagadora maioria da população portuguesa lhes manifestou o seu apoio e a crença na sua inevitabilidade. Advoga então João Galamba que o apoio dos portugueses a medidas de corte na despesa pública não implica "qualquer apoio entusiástico aos cortes na saúde, educação e segurança social que aí vêm". Conclui dizendo: "Agora que já se percebeu que, de acordo com a estimativa do próprio governo, o corte nas gorduras equivale apenas a 100 milhões de euros, talvez valesse a pena refazer a sondagem e perguntar de novo." Fica uma pérola para a hermenêutica.

Adivinha-se aqui uma dupla contradição. Sendo o objectivo perceptível da publicação o de relativizar os dados da sondagem, procurando afirmar que não revelam apoio às políticas do Governo, João Galamba afirma que os portugueses não apoiam os cortes na educação, saúde e segurança social. Mas conclui que a sondagem deveria ser refeita devido aos cortes nas despesas já anunciados não em qualquer uma dessas áreas, mas no funcionalismo da Administração Central. Por outro lado, dá a entender que os portugueses apenas se revelaram tão magnânimos no seu apoio a estas políticas porque a maioria ainda não foi posta em prática. Assevera assim, que a sondagem deveria ser repetida agora que se sabe que apenas foram cortados 100 milhões. Fica-se na dúvida se, afinal, os portugueses não apoiam estas políticas porque elas cortam demais no sacrossanto Estado Social, se porque elas cortam de menos, tendo-se apenas poupado 100 milhões até agora. Afinal, qual será essa verdadeira opinião das massas portuguesas que só o autor conhece: não apoiam os cortes no Estado Social, não apoiam os cortes no funcionalismo, não apoiam os cortes de todo ou acham que afinal os cortes ainda são poucos?

Quando os argumentos falham, lançam-se afirmações sonantes mas desconexas para tentar fazer passar a falácia. Já agora atente-se também no desprezo pela capacidade crítica dos portugueses - que afinal andam todos a engolir patranhas do Governo -, desprezo esse vindo de quem tanto defendia a "sacralidade" da opinião popular que sustentou um desvario de 6 anos. Enfim, fica a sensação que João Galamba considera que o povo é estúpido e crédulo, mas que isso só é um problema quando a credulidade popular não apoia a sua ideologia (ou falta dela).

(Image copyrights:  www.cartoonstock.com)

domingo, 18 de setembro de 2011

D'Aquém: A Madeira de uma Cruz

A blogosfera e o jornalismo, reflectindo a opinião pública portuguesa no geral, sofrem de uma falta de coerência estonteante. De mim não se lerão palavras em defesa daquele estulto senhor que (des)governa a Madeira, mas a crucificação e apedrejamento público a que ele se viu sujeito nos últimos dias têm sido hilariantes. Relembrar o passado recente é exercício mental indispensável à manutenção da coerência nas posições que assumimos. Uma coisa será dizer algo aos 18 e o seu contrário aos 38. Outra bem diferente é ventilarmos a opinião da moda sem o pudor de nos prendermos às convicções que tão acerrimamente defendíamos há três ou quatro anos. É o velho adágio: dois pesos e duas medidas.






"A Madeira é a cruz da República!!" oiço-os brandar histericamente! A Madeira, meus caros, é mais uma acha para uma fogueira já bem viva. Nada tenho contra o apedrejamento político desse senhor. Cada um faz a cama em que se deita. Mas poderia vir cheio de azedume defender o erro actual com os indultos generosamente concedidos a erros semelhantes no passado. E embora muitos chamem a tal exercício o expoente de uma retorcida e balofa retórica, não deixa de ser curioso que essa seja precisamente a base da jurisprudência. Mas não, não vou ser desses.

Mas sou dos que se revolta quando as massas arranjam um bode-expiatório que, na memória colectiva, em pouco tempo se tornará o Diabo na Terra, gerador de todo o pecado e sofrimento lusos. E na cruz em que se há-de pregar este pecador se hão-de redimir os actos e omissões de tantos outros. Mas este, o condenado, não dará em religião. A verdadeira religião e fanatismo será a dos redimidos, cujo advento surgirá dessa celestial Cidade das Luzes e é aguardado por muitos que nestes tempos de trevas jogam pelo Seguro. E envolto nas Luzes da filosofia virá, com infinita sapiência, julgar madeirenses e continentais e o seu Reino não terá fim. Ámen.

Entre o senhor da Madeira e os que por cá, no Continente, se quedaram nos últimos anos, quem de facto se vê crucificado é o contribuinte.

(Na imagem: A Crucificação do contribuinte português, um impressionante trabalho de ante-visão do século XVII por Vouet)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

D'Aquém Governação: Mitos e Desmitos

Sei que por esse país fora anda o ensino de Matemática pelas ruas da amargura. Mas custa-me, não obstante, ouvir e ler tantas e repetidas vezes mentiras debitadas à boca cheia. Interpretações à parte aí ficam os números. Cada um fará deles a análise que bem entender. Mas os números são estes. E como dizia o outro: contra factos não há mesmo argumentos.

Nos últimos 15 anos de governação em Portugal - mais precisamente entre as eleições legislativas de 25 de Outubro de 1995 e as eleições legislativas de 5 de Junho de 2011 - usufruíram de poder executivo 6 Governos Constitucionais. Quatro liderados pelo PS, sempre sozinho - (Guterres I, Guterres II, Sócrates I e Sócrates II) - e dois liderados pela coligação PSD-CDS (Barroso e Santana).

Entre 25 de Outubro de 1995 e 5 de Junho de 2011 passaram-se 5715 dias. António Guterres governou 2352 dias desse total, a coligação PSD-CDS governou 1071 dias e José Sócrates governou os restantes 2292 dias. Ou seja, dos últimos 15 anos, a coligação PSD-CDS responde por 18,74%, António Guterres por 41,16% e José Sócrates por 40,10%.

Daqui se retira que dos últimos 15 anos de governação em Portugal, o Partido Socialista esteve à frente dos desígnios desta Nação durante 81,26% do tempo. Ou seja, 4/5 dos últimos 15 anos. Não necessitando de arredondamentos, o PS governou 12 dos últimos 15 anos e (para quem prefere trabalhar à década) 7 dos últimos 10.

Tudo isto foi completamente evidente no último congresso do Partido Socialista e na postura do seu novo líder António José Seguro.

D'Aquém Minh'alma: Termodinâmica

Cenário pensativo d'ilusão
Contemplava absorto do real,
Enredado em dédalo de paixão.

Ilusão minha, quente.
Não tua! De mármore esculpida.

O café quente, fervente
Na mesa de frio metal
Fumegando espirais de vida.
E a ilusão de vapor ardente
Esvaecendo-se em atmosfera glacial
Etérea e de artifícios despida.

Caem as folhas merescentes,
Alvorada fria d'invernia.
Vão-se as ilusões inocentes,
Rodopiando em graciosa ironia.

Vento gélido! 
Chapéu que abana, casaco que ufana,
Horizonte qu'enovoa, bota qu'escorrega na lama.
Folha de ilusão caída que voa.

Rodopiando o fumo do café,
As folhas p'lo ar, a minha mente,
O meu chão, o anélito até
Qu'entrecortado m'atraiçoa o coração.

Tu não! Finamente esculpida!
Mármore d'indiferença! Sentida em vão
A minha terna bem-querença.
Tu não!

De ti leva o vento os cabelos,
De mim leva as ilusões
De nós.

--------o-------

Arrepio.
Não o vento.
Tu que passas.

D'Aquém Minh'alma: Meditação em Mi(m)

Uma pequena brincadeira.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

D'Além Meditação na Pastelaria: Esquerda, Direita e Moral

 Um comentário interessantíssimo de Manuel Vilarinho Pires a um poste igualmente interessante da Meditação na Pastelaria.

Tocou exactamente no ponto me faz, já bem passado dos 50 anos, achar aberrante ser de esquerda.
"Esquerda e Direita divergem. A última quase sempre por razões de fé, a primeira invocando razões de autonomia".
Não sei se é por razões de autonomia, que se poderiam também chamar de razões de liberdade.
A mim, parecem-me razões de moral. A esquerda acha imoral não ter a liberdade de escolher quando e como (abstraemo-nos das limitações que a natureza coloca) morrer. Como acha imoral ser impedido de exercer livremente a sua orientação sexual. Mas acha imoral a liberdade de exercício de actividade económica. Acha que esta liberdade conduz à libertinagem, ao abuso, e deve ser regulada. Receio partilhado pela direita no domínio da liberdade sexual, ou de morrer quando se entende, que também considera que devem ser reguladas para não cair na libertinagem. Por razões de moral. Não necessariamente de fé, mas certamente de moral.
Não é o respeito pela autonomia, ou pela liberdade, que distingue a direita da esquerda. É o quadro de referência moral que é diferente. Naquilo que receiam que a liberdade resulte mal, correm os dois a substituí-la pela regulação pelo Estado.
Pelo que também seria aberrante, já bem passado dos 50 anos, ser de direita.
Quem gosta de liberdade não pode ser de esquerda nem de direita.

D'Além Delito d'Opinião: Administração Pública

 Aqui transcrevo o meu comentário deixado aqui, no blog Delito de Opinião:

Creio que nem o Rui entendeu bem o contexto do que escrevi, nem eu o terei escrito com a precisão necessária a quem quer ser bem interpretado.

Para mim, existe uma enorme diferença entre um trabalhador dependente do estado (onde temos de incluir médicos e demais pessoal hospitalar, professores, polícias, juízes, etc.) e o funcionalismo público, aquela administração pura e dura, dos caciques e cunhas. (E aceito que me redargue que tal distinção não tem propriamente tradução oficial).

O que gostava que compreendesse, é que quando afirmo que: andam 500 mil indivíduos (singulares e colectivos) a pagar com o seu trabalho a vida a cerca de 4 milhões de dependentes do Estado (directos e indirectos); não pretendo criticar implicitamente os profissionais que de facto constituem o alardeado Estado Social, mas sim aquele segundo grupo de indivíduos, o arquétipo de funcionário público, com o seu empregozinho.

Ademais, permita-me que lhe recorde que o Estado Social - no qual não se pode tocar, que aqui d'El-Rei que nos roubam e valha-nos a Santa Engrácia que isto é um país de ultra-liberais! - esse Estadozinho não tem na sua dependência apenas escolas, hospitais e tribunais. Parafraseando o famigerado post do agora Ministro da Economia:

"[Dependem do Estado] 349 Institutos Públicos, 87 Direcções Regionais, 68 Direcções-Gerais, 25 Estruturas de Missões, 100 Estruturas Atípicas, 10 Entidades Administrativas Independentes (...), 8 entidades e sub-entidades das Forças Armadas, 3 Entidades Empresariais regionais, 6 Gabinetes, 1 Gabinete do Primeiro Ministro, 16 Gabinetes de Ministros, 38 Gabinetes de Secretários de Estado, 15 Gabinetes dos Secretários Regionais, 2 Gabinetes do Presidente Regional, 2 Gabinetes da Vice-Presidência dos Governos Regionais, 18 Governos Civis, 2 Áreas Metropolitanas, 9 Inspecções Regionais, 16 Inspecções-Gerais, 31 Órgãos Consultivos, (...), 17 Secretarias-Gerais, 17 Serviços de Apoio, 2 Gabinetes dos Representantes da República nas regiões autónomas, e ainda 308 Câmaras Municipais, 4260 Juntas de Freguesias. Há ainda as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, e as Comunidades Inter-Municipais."

(Note que a estrutura ministerial ainda é referente ao consulado de Pinto de Sousa).

Continuando a caracterização deste funcionalismo público que espero que V.Ex. não defenda tão acerrimamente quanto a classe médica, gostaria já agora de lhe chamar a atenção para a despesa real deste dito "Estado Social". Para poder argumentar com alguma propriedade fui retirar os valores ao OE2011. (Valores em milhões de euros). Repare que as despesas correntes do M.Saúde (8365,5), M. Educação (6261,5), M.Ciência e ES (1.868,5) e a despesa de pessoal do M.Justiça (1076,1) somam algo como €17.571,6 milhões. Se contrapuser o somatório das despesas correntes dos Encargos Gerais do Estado (1353,9), Presidência do Conselho de Ministros (228,4) e de pessoal dos MNE (352,9), MD (1823,7), M.Econ. (140,1), MOPT (120,8), M.Agr. (222,3) e do M.F. e Administração Pública (19007,0). Só essas despesas do funcionalismo puro e duro dão algo como €23249,1 milhões. E falta aqui Sector Empresarial do Estado, prémios, ajudas de custo, pensões, contratos com as empresas dos amigos, primos e cunhados, pareceres milionários a escritórios de advogados e tudo e tudo e tudo o mais.

Acho que elucidei o porquê de para mim essa máquina do funcionalismo público ser o Diabo na terra! Porque é que passada uma década a ouvir previsões catastróficas dos Professores Bambo e Medina Carreira ninguém mexeu uma palha para mudar a situação? Porque sempre houve muito milhões de portugueses com milhares de milhões de razões para que nada mudasse.

Foi o clássico "quanto pior, melhor". Até à bancarrota. E quando entrámos em bancarrota (não tenham ilusões aí), alguém nos estendeu a mão e disse: e agora que continuem a pagar os que sempre pagaram que isto é uma questão de patriotismo pah! Tudo pela Nação, nada contra a Nação! Salve-se a pátria do Belzebu dos mercados que foram os grandes arquitectos desta crise! Ámen

D'Além Memória e d'Aquém Vergonha

Via: Cachimbo de Magritte.

Rádio Renascença: António José Seguro considera que quem colocou a Madeira na bancarrota não pode agora pedir que outros paguem a dívida. “Nós ouvimos o líder regional do PSD dizer que precisava rapidamente de dinheiro. O PSD-Madeira pôs a Madeira na bancarrota, tem um buraco colossal, gaba-se disso e pede que sejam os outros a pagar a factura da sua irresponsabilidade”, acusa o líder do PS. 

Segundo a lógica do Tó Zé, temos mesmo é que fazer novas eleições e pôr o PS no governo o quanto antes, porque isto afinal quem leva os Estados à bancarrota é que se deve responsabilizar e pagar a factura. É uma injustiça e violência exigir-se agora do PSD que reponha as coisas na ordem, quando os Governos PS dos últimos 6 anos nos deixaram neste estado. O sentido de dever de Tó Zé é tão grande, que propôs ainda um imposto extraordinário sobre todos os rendimentos dos 90% de delegados do PS que apoiaram cegamente José Sócrates no último congresso. Não faz sentido, diz Tó Zé, que os portugueses que têm dois dedos de testa paguem pela obstinação inconsequente de alguns!

domingo, 11 de setembro de 2011

D'Aquém Ignomínia: Congresso do PS

Sobre a falta de vergonha e o opróbrio público a que se sujeitam indivíduos que, a bem do país, se esperaria que tivessem mais valor, alguém já disse tudo o que há para dizer:


"Le ridicule déshonore plus que le déshonneur."
Maximes (326), de Francois, Duque de la Rochefoucault

Tradução livre: O ridículo desonra mais que a própria desonra.




D'Além Economia: Guerra de Divisas II

Na sequência do que aqui publiquei há uns dias em Guerras de Divisas, chamo agora a atenção para uma entrevista interessantíssima de  James Dines no Expresso on-line. Deixo aqui alguns excertos para aguçar a curiosidade.

"Os Estados Unidos têm cortado as ligações entre o seu papel-moeda e o ouro há mais de um século, como referi em "Goldbug". Têm-no feito passo a passo, com o resultado de que hoje todas as divisas flutuam sem qualquer ligação a qualquer valor tangível. Deste modo, flutuam em função do montante de papel que cada país imprime."


"É pouco provável que os países parem de dar à manivela da impressora, ou que o façam exatamente ao mesmo tempo e ao mesmo ritmo. Como todas flutuam umas contra as outras, a instabilidade arrisca um crash histórico algures no futuro."


"Acabamos por ficar maravilhados com o facto de que o Japão imprime ienes para comprar dólares sem se aperceber que é um castelo de cartas ilusório e vulnerável a uma ventania."


"Foi a Conferência de Génova em 1922 que decidiu duplicar a oferta de moeda de modo a poder pagar-se o custo da 1ª Guerra Mundial, como refiro na minha obra "Goldbugs". Foi esse mar de papel que desencadeou os designados "estrondosos anos 20". A inevitável deflação imediatamente a seguir a 1929 foi normal e natural - eliminando os excessos de papel impresso."


"Nem toda a gente percebe que a palavra inflação quer dizer aumento da oferta de moeda, e não é sinónimo de preços mais altos. As dores da deflação já estão a ser sentidas nos EUA, especialmente nos salários e na ausência de criação de emprego, mas também se sente à escala mundial. A hiperimpressão de dólares está a fazer o seu caminho para as commodities e esse aumento de preços está desencadeando violência a revoluções numa série de países pelo mundo fora."


"Se as coisas não mudarem, o mundo está a ir direitinho para o que chamo de "segunda grande depressão", onde a ânsia de ganhos financeiros será extirpada e substituída pela sobrevivência do capital."

Modos de Vida

Hoje de manhã (dada a hora, ontem para os mais escrupulosos), lá fui tomar a minha bica matinal à pastelaria do largo onde habito. Cliente que sou da casa há anos, lá fui recebido com um sorriso e um enérgico bom dia de quem trabalhava já desde as 6h da manhã. Esbocei um meio-sorriso e grunhi um bom-dia que não enganava ninguém. Eram 11h da manhã e acabava de acordar. Uma das moças do café, que me servira no dia anterior, indagou com piedade se sempre tinha finalmente dormido. É que sabia a moça, por uma outra casual conversa entre um chávena cheia e uma chávena vazia no dia anterior, que eu havia feito uma directa para estudar. Lá lhe confidenciei que tinha despachado tudo e que na última noite me desforra a bom desforrar e dormira 12h. Não sei bem como, entre uma lamuria e o tempo, foi a conversa parar à vida de funcionário público. Fez-se a devida ressalva que não se falava dos profissionais liberais ou dos homens do lixo, era mesmo daquele funcionário, que tem um emprego e recebe um vencimentozinho.

Dizia-me a moça que desses conhecia muitos que iam lá ao café todos os dias. (Vivo bem no coração de Lisboa). Que sabia, por conversas que não podia deixar de ouvir,que picavam o ponto lá no departamento ou repartição ou o que fosse e iam ali para o café cavaquear animadamente das 9h às 9h30. Que lá voltavam para almoçar e se quedavam habitualmente 2 horas no repasto. E sabia que despegavam do emprego cedo, que lá por essas 4h30 passam a levantar encomendas para levarem para casa. "Têm uma rica vida, é o que é". No meu último golo de café dizia-me ela: "Sabe menino, a mim o que me custa é estar aqui das 6h às 17h, receber uma miséria da qual me tiram quase metade para pagar ordenados a essa gente e ainda, vendo o que vejo, ter de os ouvir queixarem-se-me de que andam sempre tão cansados...". Soubessem eles o que é trabalhar, remato eu com um encolher de ombros que é a personificação do fado luso.


Suspiro eu, suspiro ela. Então até amanhã. Até amanhã menino.



quinta-feira, 8 de setembro de 2011

D'Além Economia Globalizada: Guerras de Divisas

Um artigo (Um primeiro tiro na Guerra de Divisas) na secção de Economia do Expresso on-line despoletou-me a curiosidade e lá fui, no meu papel de leigo no mundo da finança, dedicar-me a essa nobre arte de aprender. Os desafios de uma economia globalizada são sem dúvida extraordinários. Ademais, quando ajuntamos à equação o paradigma da situação político-social da época moderna, o nível de complexidade gerado é assombroso. Em boa verdade, o que já não existe nestes nossos tempos é precisamente um paradigma, quanto mais um arquétipo ou um ideal. Vivemos cada vez mais numa sociedade pautada, a todos os níveis, pela mudança cada vez mais veloz, pela evolução cada vez mais rápida da realidade. Para os nossos pobres cérebros (cujas bases arquitecturais se formaram à centenas de milhares de anos atrás), este novo padrão da sociedade contemporânea, que é, por assim dizer, a falta desse mesmo padrão, apenas poderá ser percepcionado como instabilidade e volatilidade.

Ora se há domínio da sociedade moderna que se habitou desde o século XVII a viver sem a estabilidade que o comum dos mortais almeja é a Finança. Os mercados são por definição voláteis e imprevisíveis. Mas até mesmo os desafios desta nova era pós-11-de-Setembro se estão a revelar como um pouco mais do que os mercados financeiros conseguem digerir. A globalização da Economia iniciada pelos portugueses nessa longínqua centúria de Quinhentos, em que o anos ainda eram da Graça do Senhor, apenas se consubstanciou verdadeiramente no pós-Segunda-Grande-Guerra. Ou seja, quando o mundo não-Europeu-ou-Americano foi evoluindo de um papel de subserviência ou clientelismo económico para o de um parceiro de facto. É, em suma, uma realidade recente.

O ovo de Colombo desta nova realidade é que perturbações num dos elementos do sistema se irão repercutir gravemente no sistema como um todo, afectando o seu normal funcionamento. Até há bem poucos anos o Mundo vivia na dicotomia Mundo Desenvolvido e Mundo Subdesenvolvido. O estalar do verniz do modelo de Estado Social dos desenvolvidos países Europeus em concomitância com a surgimento das economias "em vias de desenvolvimento" (leia-se BRICS) apresenta desafios aos modelos e convicções estabelecidas nos mercados financeiros. Os capitais estão a fugir do Euro e a procurar refúgios. Os investidores deixaram de considerar a zona-Euro (um dos três grandes motores económicos do mundo) como um local seguro para investir o seu dinheiro e estão a transferi-lo para outros activos. Daí os crashes bolsistas na Europa (que acabam por arrastar e contagiar as demais praças, lá está a globalização outra vez) e a desvalorização da nossa divisa.

E para onde vai o dinheiro? O destino é um de dois: para os demais activos convencionais (entre os quais costumavam estar os europeus), leia-se ouro, EUA, Japão, Suíça, Dinamarca, Noruega e Suécia; ou para os considerados mais arriscados, mas ainda assim preferíveis ao lodaçal que se transformou o Velho Mundo, países em vias de desenvolvimento, sempre ávidos de investimento. A economia mundial não cresce a bom crescer no Mundo Desenvolvido desde a época áurea dos anos 90. O arrefecimento do comércio mundial, que nem os à-primeira-vista-espetaculares crescimentos do PIB de países em desenvolvimento parecem já conseguir contrapor, está a dificultar a retomada económica tanto na já fragilizada zona-Euro, como nos EUA e demais países Ocidentais.

Para estes países (EUA, Japão, Suíça, Dinamarca, Noruega e Suécia) a fuga de capitais da zona-Euro para os seus países está a afigurar-se como um entrave ao desenvolvimento. Como é que a entrada de capital num país pode refrear o seu crescimento económico? Parece um non sequitur, mas não é. A transferência de capitais para fora da zona-Euro implica que esses capitais vão passar para divisas diferentes, ou seja, na prática implica que se está a vender muitos euros para se comprarem dólares, yens, francos suíços e coroas nórdicas. Ora das leis da oferta e da procura que até um leigo como eu conhece, o mercado tem tendencialmente evoluído no sentido de desvalorizar o euro e valorizar as demais divisas.

O problema para os países Ocidentais fora da zona-Euro é que esta mesma zona é (ainda) um dos maiores mercados da Economia globalizada e praceiro comercial major de todas essas nações. Ora num contexto de crise económica generalizada interessa a toda a gente corrigir o equilíbrio da balança comercial aumentando as exportações. E é precisamente aqui que a valorização dessas divisas entrava o crescimento dessas economias: encarece-lhes as exportações. Com as taxas de juro mantidas a níveis baixíssimos e a margem de manobra fiscal praticamente esgotada nos países desenvolvidos, não restam muito mais opções para intervir no mercado de capitais do que as correcções artificiais de câmbio de moeda.

Situação semelhante vivem os países em vias de desenvolvimento: como Turquia, Rússia ou Brasil. A valorização das moedas permite um crescimento mais moderado da economia de consumo interna mas pode minar por completo o crescimento económico ao retirar competitividade às exportações. Sobre como esses países estão a lidar com a situação deixo-vos um peça informativa do Financial Times (daquelas que não se encontram nos telejornais de cá): link. A actuação faz-se sempre em mecanismos com efeitos indirectos como as taxas de juro, mas, como referi acima começa a escassear o espaço de manobra. São as acções directas sobre os câmbios de moeda, sem apelo nem agravo dos mercados, que se apelidam de actos de guerra de divisa.

Abriu-se a excepção no início deste ano com os acontecimentos catastróficos ocorridos no Japão. Houve naturalmente um gigantesco fluxo de capitais para o país no sentido de encetar a reconstrução. Ou seja, houve muita gente a comprar yens, sobrevalorizando repentina e dramaticamente o yen e ameaçando asfixiar a economia exportadora japonesa, prenunciando uma grave recessão económica. Sob a concertação da Reserva Federal Norte-Americana lá houve uma venda gigantesca dos yens em reserva nos principais Bancos Centrais, de forma a aliviar o mercado. Contudo a pressão sobre o yen recomeçou devido à fuga de capitais da Europa (à laia de exemplo: 500 mil milhões de euros só para os EUA, só nos últimos 6 meses).

Neste contexto, surge então a situação noticiada pelo Expresso no artigo supra-mencionado. O Banco Central Suíço (SNB) decidiu de surpresa impor um tecto à valorização do franco suíço e anunciou que se recusaria a transaccionar o câmbio do franco suíço acima dos 0,83€ por cada franco, ou abaixo dos 1,20FrS por cada euro. O franco suíço valorizou mais de 30% face ao euro nos últimos dois anos. Especula-se se será o primeiro movimento de um Guerra de Divisas, pois facilmente este tipo de decisões unilaterais e sem concertação internacional desencadeiam espirais de respostas que agravam o problema inicial em vez de o resolverem. Como o expôs um analista da HSBC ao Financial Times:
"Actions like this simply push the problem elsewhere (...) and it threatens a situation where every central bank is trying to weaken its currency"
A Reserva Federal aliviou os ânimos admitindo que a situação da Suíça era sui generis, devido à sua posição geo-estratégica bem no seio da Europa. E de facto os dados do crescimento do PIB suíço para este ano já foram revistos em cerca de metade dos 1,9% inicialmente previstos para 0,8%. Ademais, o SNB já perdeu mais de 30 mil milhões no valor dos seus activos só em 2010, pois a maioria dos seus investimentos são em euros e dolares, que perderam valor face ao franco suíço.

Receia-se que outros países cujas divisas se têm valorizado (Japão e Brasil) possam vir a tomar atitudes do género na tentativa de evitarem a deflação no mercado interno e a perda de competitividade no mercado externo. Afastados para já da contenda das divisas parece estar o par EUA/China, cuja relação de amor-ódio tanta tinta fez correr em finais do ano passado. Agradeçamos à globalização, que não é puramente económica, mas também social: os novos hábitos de consumo da população chinesa têm inflacionado o mercado e impedido a desvalorização do Renminbi (ou Yuan).

Quem não se pode queixar da sua valorização nos mercados é o tradicional refúgio não-divisa: o ouro. Mas vendo a onça acima dos 1800 dólares, algo me diz que quem se vai queixar são os investidores quando a bolha aurífera rebentar. As correrias desenfreadas nos mercados parece-me a mim que nunca são boas. Também as tulipas já valeram mais que o ouro e vejam lá agora.