segunda-feira, 5 de julho de 2010

Frases que valem a pena II

via: O Cachimbo de Magrite

The iniquity of all the principal men in any community, of kings and ministers especially, does not consist alone in the crimes they commit, and in the immediate consequences of these crimes they commit; and, therefore, their guilt is not to be measured by these alone. Such men sin against posterity, as well as against their own age; and when the consequences of their crimes are over, the consequences of their example remain.

Visconde Bolingbroke (1738)

domingo, 4 de julho de 2010

Omnia vincit amor ou o sonho de uma noite de Verão

3 de Julho. 22h00. Largo de São Carlos, Lisboa.  Romeu e Julieta, Tchaikovsky.

O murmúrio declinou e cedeu. O silêncio quente de Julho inundava o largo já apinhado de rostos expectantes. O universo sustinha-se em compasso de espera. Soaram ténues e diáfanos os primeiros acordes na noite luminosa de Estio. Delicados e oprimidos ainda pelo calor da expectativa silenciosa. Sob comando magistral, outros acordes e tons se vieram sobrepor aos primeiros, ampliando-os, enriquecendo-os paulatinamente. As harmonias cruzaram-se, entrelaçaram-se, fundiram-se em arabescos fluidos e etéreos. Teceram-se no ar quente as tramas e desditas do famigerado casal de
Verona; num caleidoscópio ardente em constante metamorfose, que não olvidava a sua génese, antes a engrandecia, multiplicava e transmutava em outras cores consubstanciais à primeira. Brotou assim entre arco e corda, entre lábios e metal, um Amor quente que dimanou pelos ares contagiando as orbes celestes. Os olhos enamorados perfulgiam na assistência, na dama à varanda e no firmamento, fazendo recuar a noite face à força avassaladora deste Amor. Agigantou-se, alimentando-se da sua própria vitalidade ardente, da sua crença contumaz na sua imortalidade. As suas reverberações cada vez mais intensas, impetuosas e inflamadas propagavam-se aos corações e a todo o universo. Os arrepios desciam pela coluna em frenesim incontrolável, despoletados pela violência fervorosa com que os arcos acariciavam as cordas. E subitamente a morte. Qual trovão no denso ar estival, a tudo põe fim. Inexorável, despiedada, atroz. Dos lamentos fúnebres renasceram em crescendo os acordes daquele Amor imperecível. Força vital inextinguível, que noutra tonalidade, noutra cor, noutra dimensão se ergueu sobre o seu carrasco, glorioso e triunfante. Rindo da morte em vibratos e crescendos, qual Otelo, roubando algo a quem tudo lhe roubara. Ressurrecto, não julgou nem puros nem pecadores; antes a todos afagou em acordes que se perderam em fragrâncias rubras e radiâncias oloríferas. Os tons esvaeceram-se e o encanto desfez-se. Comigo ficou o sonho de uma noite de Verão.

"Did my heart love till now ? Forswear it, sight!, For I ne'er saw true beauty till this night"

sábado, 3 de julho de 2010

D'Aquém: a Alegria

Numa alegre reunião, subiu Alegre alegremente ao palco para nos brindar com mais uma tirada de alegre humor:

"Não quero na Presidência alguém que tenha a superstição dos mercados"

O senhor Alegre depois de tanta convivência com o senhor de Sousa ganhou o gosto a criar jogos de ilusão - como o recente de que os nossos níveis de desemprego estão em linha com a Europa. O senhor Alegre talvez me queira convencer que o 1% que estamos a pagar a mais de IVA desde anteontem, ou o próprio desemprego que não desce, ou a subia dos juros da dívida pública também são todos superstições e mistificações.

O senhor Alegre que continue a escrever trovas à Bandarra e não venha todo néscio e estulto dizer que não percebe nada de Economia para de seguida nos presentear com pérolas destas. Fique-se com o reconhecimento de que de facto de Economia nada percebe e tenha um bom dia.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

D'Além China: colonialismo

Por estes dias chamou a imprensa internacional de desvario colonialista à novela da golden share da PT. Polémicas aqui do lodaçal Luso à parte, o que eu acho curioso é que essa mesma imprensa internacional não apelida assim tão cabalmente de colonialismo algo que muito mais flagrantemente o é; por exemplo: a pressão do Estado Chinês nas províncias do interior para onde faz deslocar milhões de chineses Hans e onde marginaliza as culturas locais.

A Amnistia Internacional denuncia a situação de Xinjiang, onde o ano passado houve centenas de mortes em confrontos étnicos.

D'Além Macedónia: Jihad na Europa

Os relatos de actos violentos por parte do movimento Wahabi crescem pelos Balcãs em número e ousadia. Desde que soldados extremistas sauditas se vieram instalar nos Balcãs, durante a conturbada década de '90, que uma rede defensora do fundamentalismo islâmico tem crescido na região. Surpreendentemente, as principais vítimas não têm sido as populações cristã e ortodoxa (maioritárias em muitos estados da região), mas sim os islâmicos moderados. O mais recente aconteceu hoje na Macedónia, como relata o AdnKronos Internacional.


É uma estratégia corriqueira dos fundamentalistas, estes ataques às facções moderadas, incutindo um clima de medo, que estas são impotentes, na sua moderação, de combaterem. Uma perspectiva do modus operandi dos fundamentalistas muitas vezes desconhecida ou propositadamente ignorada no Ocidente.


Um outro na mesma linha de acção ocorrido hoje teve lugar em Lahore, no Paquistão, matando 50 pessoas, como nos relata a Foreign Policy.

De lamentar é falta de interesse da opinião pública Europeia em relação a problemas em estado embrionário. Quando há centenas de mortes (Iraque), manifestações gigantescas (Irão) ou golpes militares sangrentos (Bangladesh) isso é notícia. Choca e dá audiências. Não digo que o fundamentalismo nos Balcãs vá atingir as mesmas proporções que no Médio Oriente, mas é um fenómeno em franco crescimento e poucos lhe dão atenção. O problema está aqui, à porta da Europa e alguma coisa se deveria fazer. Quantos serão precisos morrer antes que isso aconteça?

D'Além Mariinski: muito mais que um palito!

Concerto de Ano Novo de 2007 no Teatro que é um dos legados mais emblemáticos de Catarina na cidade emblemática de Pedro, os dois Grandes. Aqui se vê o que um génio consegue fazer com um palito. Além de uma técnica impecável e além repreensão - algo a que já nos habituaram os Russos -, a Orquestra de São Petersburgo apresenta-nos uma interpretação que este genial Gergiev, munido de palito, lhe arranca com uma carga emocional avassaladora, não tão comum nos espectáculos eslavos. Muito além!

D'Além Bruxelas: as promessas estão feitas!

Discussão da estratégia da União Europeia para 2020 com incidência nas reformas do sistema financeiro. Durão Barroso mantém-se fiel a si mesmo: suave e nada assertivo. Fica uma ideia de leviandade no ar no que respeita à regulação do sistema bancário, uma vez que Barroso se recusa, como sempre, a dar força aos discursos que faz, na tentativa de agradar a Gregos e Troianos. Algo muito Português, diga-se de passagem, a de dar uma no cravo e outra na ferradura. Algo que não é necessariamente mau e que no passado nos salvou de apertos, enquanto país pequeno a navegar em águas internacionais turbulentas. Cf. Grande Cisma da Ocidente (séc. XIV-XV), a neutralidade de D.João V (séc.XVIII) ou de Salazar (séc.XX). O segredo da diplomacia à portuguesa é parecer ceder a todos, não assumindo posição de força e assim os levar onde queremos. Estaria isto muito bem não fosse a falta de ambição subjacente e os fracos resultados que esta atitude prenuncia. Com esta atitude pouco mais se consegue que um status quo, que em momentos do passado poderá ter constituído um grande ganho político, mas que na situação económica actual da UE é tudo o que não precisamos. Veremos se Barroso se revela neste seu segundo consulado e se consegue impor rumo às reformas que a União Monetária desesperadamente necessita.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

D'Além Nigéria: Selecção de Futebol banida!

D'Além trago aqui um insólito! O Presidente da Nigéria Goodluck Jonathan baniu a selecção nacional - os Super Eagles - de jogar em competições durante os próximos dois anos, após uma participação desastrosa no Mundial de Futebol da África do Sul. Deixo-vos com uma questão assaz pertinente do Sahara Reporters:

"The shocking part of the decision is that the person making this decision is the president. This is the same president who brought 140 people to Canada for a needless jamboree only a few days ago. A president who is presiding over an oil producing country that is wallowing in darkness. A president who does not have the courage to arrest and prosecute his friends and political godfathers who have been indicted for accepting bribes from Halliburton and Siemens. ... A president who is presiding over a country in which the National Assembly dominated by members of his party are basically looting the treasury through dubious constituency allowances. In light of his failures, will the president withdraw himself from office for two years as he has done to the Super Eagles? If there is a World Cup for good governance, would Goodluck Jonathan make the tenth eleven? Your guess is as good as mine."

Imagem:  Carl De Souza/Afp/Getty Images, in CBC Sports

Frases que valem a pena I

No meio de tudo isto, há o discurso incompreensível do Primeiro-ministro, como se estivesse investido de uma missão sacralizada de pregar confiança, esquecendo que a confiança se cria, não se apregoa.

Quer-se um bom artigo e não há...

Estando em época de exames por estes dias, o tempo para acompanhar devidamente a actualidade não tem sido de sobeja. Ora hoje de manhã pensei que era bom dia para tentar perceber como é que da situação grega a coisa tinha escalado para zunzuns de que vinha aí o fim do Euro. Ora isto quem quer aprender alguma coisa nestes dias bem que tem de pedalar. Não procurava um artigo de fundo, apenas alguns highlights, por isso esquadrinhei a imprensa nacional on-line.

Bem que me esforcei para nada! Há futebol, há Verão e a politiquice mesquinha do costume; pouco mais. Encontra-se alguns comentários pela blogosfera (como este n'O Cachimbo), mas nada que me satisfizesse. Lá capitulei e abri a página daquela publicação que ainda não me falhou nestes assuntos: The Economist. Aos interessados aqui fica a nota de um conjunto de artigos de opinião interessantíssimos quanto ao futuro da moeda única. Destacava as regras propostas pelo Hans-Werner Sinn, particularmente a ideia de ligar os limites do deficit do Pacto de Estabilidade aos pontos de endividamento sobre GDP.

Obviamente que não podia esperar este nível de insight (desculpem mas só me sai o inglês hoje) da imprensa generalista. Não deixa de ser aberrante, todavia, que os verdadeiros problemas com que o país está confrontado de momento não encontrem eco no meio jornalístico. E façam-me um favor, deixem lá a histeria da saga PT/Telefónica/Vivo que já não há pachorra. Mas ainda espanta alguém que um alienado com problemas de identidade e tendências megalómanas continue a tomar decisões néscias apenas para salvar a face? (É ateu, é ateu, mas ainda acredita em milagres). Deixem lá meus caros, a coisa resolve-se na mesma. Dêem uns dias aos Tribunais Europeus e lá se vai o brilho da golden share. Eu percebo a perplexidade, a revolta e indignação que por aí vai à conta do assunto. Como alguém muito bem notou n'O Cachimbo noutros tempos já o Governo já tinha caído do poleiro. Ele hoje também cai, mas procrastina-se em olvido a chafurdar na lama. Eu, por mim, vou tentando não ir muito para o meio do lodaçal que me agonia o cheiro.


Imagem: cortesia de iStockphoto

Aprendendo com os antigos I

Acredito piamente que a falta de atenção às lições de História é responsável por uma grande falta de perspectiva da qual padecem largos milhares de Portugueses. Se quando sentados no banco da escola desenhassem menos corações entre suspiros e mandassem menos SMSs - sim, eu percebo que era mesmo urgente -, teriam, porventura, tido oportunidade de aprender uma grande lição: que isto de políticos é uma raça que por cá se queda há uns já valentes milhares de anos e que pelas medidas dos que já se finaram se tira a pinta aos de hoje e aos que mais tivermos de vir a sofrer. (Pensando bem, dada a cada vez maior decadência do ensino após o consulado da outra senhora, acho que nem que os alunos quisessem...) Back on track, já os ouço clamar: "Ah, mas então e o progresso da raça humana?" Certo é que já ninguém rasga as vestes como os Romanos, mas politicamente falando, o progresso resume-se à notavelmente célere aprendizagem de como capitalizar as novas tecnologias e desenvolvimentos em proveito próprio; digo: em proveito dos mais altos interesses do Estado. (Estou a esforçar-me por me actualizar com as novas referências semânticas...)

Um caso curioso que ilustra esta ingenuidade lusa passou-se precisamente com esses Romanos - que bem dizia o pequeno gaulês, e com alguma razão, que eram loucos. Deu-se isto lá por volta dos últimos cinco séculos antes do nascimento de Cristo na cidade de Roma. Na época era Roma uma República governada por um punhado de aristocratas e queixava-se a plebe (não lhe faltando a razão) que expulsara o último Rei para nada, visto que do poder prometido nem o cheiro. Ora o descontentamento deu em divórcio unilateral (e acha o governo que é progressista) quando o Senado elegeu para cônsul um senhor de elevada estirpe e igualmente elevado nariz: Appius Claudius Inregillensis. O que é o fizeram esses sábios romanos confrontados com as atitudes desse tiranozito empertigado? Mataram-no? Protestaram nas ruas? Deitaram fogo à cidade? Nada disso! Fizeram o que ficou conhecido para a história como: secessio plebis. Ou seja, toda a plebe (a esmagadora maioria da cidade claro está) abandonou Roma e acampou num monte ali perto, deixando os aristocratas para se governarem a eles mesmos. De génio! Claro está que conseguiram o que queriam e esse ano de 494a.C. viu a criação da magistratura do Tribuno da Plebe, cuja eleição dependia não do Senado mas do Populusque Romanus.É que isto de querer comer e não haver quem produza, transporte, venda e confeccione o repasto é coisa que deve ter alterado os mais altos interesses do Estado. E nem quero imaginar a desdita dos pobres senadores, que tiveram que ouvir as Julias, as Claudias, as Fabias e as Valerias em ataques apopléticos quando perceberam que as lojas estavam todas fechadas!

Ora como em equipa que joga bem não se mexe (algo que o Sr. Queiroz devia ter percebido antes de substituir o Hugo Almeida no funesto jogo de Terça), a plebe voltou a utilizar a mesma receita um punhado de vezes mais nas centúrias seguintes. Quando a necessidade assim o obrigava, lá se empacotava tudo muito bem e se ia passar uns dias de descanso ao campo à espera que os senhores de toga capitulassem da sua arrogância. Famosos ficaram os gerados pela recusa do Senado das Leges Duodecim Tabularum (449 a.C.) da Lex Canuleia (445 a.C.) ou da Lex Hortensia (287 a.C.). Ora com o tempo a plebe foi ganhando poder em Roma, sendo-lhe ultimamente abertas todas as magistraturas, pontificados e o assento no Senado. E já os ouço: "Ahah! Então não foi ingenuidade nenhuma! Deu resultado. Vamos todos organizar uma deslocação de Lisboa para o Monte da Caparica e ficamos lá à espera que pelas janelas dos gabinetes do Terreiro do Paço entrem ares de bom-senso e o governo tenha uma epifania!"

A questão é que nada mudou realmente. A plebe ficou possibilitada de concorrer nas eleições aos cargos públicos, de facto. Mas quem tinha os milhares de sestércios necessários para subornos e organização de jogos para conseguir assegurar uma eleição? Os ricos! Plebeus, mas ricos. Famílias que depressa se apressaram a integrar na aristocracia de linhagem, tanto por casamento como por compadrio político. E apesar do seu estatuto de plebeus, não se compadeceram mais das dificuldades da plebe-pé-descalça do que os seus colegas patrícios. A plebe viveu assim cinco séculos de ilusão de uma luta pela igualdade social. Para o final da República o nível de demagogia e aproveitamento desse conflito desencadeou décadas de guerras civis, até que surgiu vencedor Gaius Iulius Caeser Octavianus Augustus que acabou com a brincadeira republicana e deu a volta à coisa com um "L'Etat c'est moi!" muito mais subtil que o de Luís XIV. Foi de facto uma evolução do paradigma social algo comparável ao que aconteceu no século XIX como o novo-riquismo proporcionado pela revolução industrial. O príncipe italiano Di Lampedusa expôs a lógica subjacente de maneira brilhante na sua obra-prima O Leopardo (Il Gattopardo): "Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi!" (Se queremos que tudo fique na mesma é necessário que tudo mude!).

O que aprendemos hoje com os antigos? Iludam-se quanto quiserem com as falsas idolatrias e com as ideologias partidárias vãs e balofas que marcam o nosso espectro político da extrema esquerda à extrema direita. Por mais que tudo mude (entre todas as possíveis combinações de governo possíveis), tudo ficará sempre na mesma porque a ninguém interessa realmente que o paradigma do nacional porreirismo seja perturbado. Relembro que na votação na AR para o aumento dos valores não-justificados de financiamento das campanhas eleitorais apenas dois ou três deputados votaram contra. Em bom português: a m*da muda mas o cheiro é o mesmo. Os patrícios romanos sempre tinham algum sentido de estado e dever público; a nobreza medieval sempre era galante e honrada; a aristocracia da época moderna tinha o seu brilho, distinção e elegância; a burguesia saída da Revolução Industrial sempre começou por ser séria e comprometida. Agora isto!, esta degenerescência, este abastardamento que temos por classe dirigente? Isto é simplesmente, parafraseando Eça: "uma choldra ignóbil!".

Imagem: The Secession of the People to the Mons Sacer, engraved by B.Barloccini, 1849 (engraving)- cortesia de Fotobank